Aposentados são os principais alvos de golpes com Pix entre atendidos pela Defensoria Pública
Por Marcia Oliveira
Vulnerabilidade econômica e tecnológica faz com que aposentados sejam as maiores vítimas de golpes relacionados ao Pix
De dez pessoas atendidas, por semana, no Núcleo da Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de Mato Grosso, em Cuiabá, quatro são vítimas de algum tipo de golpe com o uso do Pix. O alvo preferido dos golpistas são aposentados, que ganham entre um a dois salários mínimos, vítimas que, por dificuldades e demora em tomar providências, acabam amargando o prejuízo sozinhas.
O drama vivido por brasileiros em extrema vulnerabilidade econômica, intelectual e tecnológica, atinge um número cada vez maior de pessoas a cada ano e a tendência é de crescimento das estatísticas. Estudos feitos por empresas de tecnologia de pagamentos, como a ACI Worldwide, indicam que as perdas financeiras envolvendo Pix foram de R$ 1,5 bilhão em 2023 e a expectativa é que cheguem a R$ 3 bilhões em 2027.
O assessor jurídico que atua na 2ª Defensoria, na defesa do consumidor, Lucas Judá, explica que os casos atendidos pelo órgão abrangem os mais variados tipos de golpes, dos mais simples aos mais complexos. Desde aqueles em que a pessoa se passa por alguém da família, com foto do familiar em aplicativo de celular, dizendo que perdeu o telefone e precisa pagar uma conta urgente, até os que envolvem empréstimos e transferências para contas, geralmente de empresas em nome de laranja. Veja abaixo alguns dos golpes aplicados.
Num dos casos atendidos no Núcleo, ele informa que a aposentada não tem celular com aplicativo, e garante que nunca contratou empréstimo virtual do banco. Mas, mesmo assim, está sendo cobrada por três contratos de empréstimos, no valor de R$ 13 mil, a serem pagos em 84 meses.
“Ela informa que foi até um caixa eletrônico do banco e viu uma movimentação atípica em sua conta. Ela viu o deposito de R$ 5,6 mil, R$ 2,4 mil e R$ 5 mil no dia 06 de junho, quando também foi pago um boleto no valor de R$ 10 mil. No dia seguinte, outro boleto de R$ 3,1 mil também foi pago, por um celular, via Pix. Mas, o celular dela é antigo e só faz ligações. Até agora, ela teve que pagar três prestações dos três empréstimos, mesmo recebendo um salário mínimo e afirmando que não sabe como tudo ocorreu”, explica o assessor.
A vítima afirma que entrou em contato com o banco, mas, foi informada que eles não podiam fazer nada e que a dívida estava no nome dela. Para o caso da aposentada, o Núcleo da Defesa do Consumidor irá propor uma ação declaratória de inexigibilidade, para que a Justiça declare o débito inexistente. Para tanto, deve provar que ela não teve qualquer envolvimento com a suposta fraude. “Vamos buscar informações que evidenciem que ela não teve e nem poderia ter qualquer participação nas operações, nem executando as transações, nem fornecendo dados pessoais para tal, nem contratando os empréstimos. Vamos buscar os contratos, o telefone que fez o pagamento dos boletos, a empresa que recebeu. Caso o juiz acate nosso pedido, a cobrança ficará suspensa, porém, até o fim da ação, que pode levar até seis anos, a dívida continua e com aplicação de juros, se a decisão final não for favorável a ela”, explica o assessor.
Aleta de Golpe – Diante da situação, ele afirma que a prevenção é sempre a melhor saída e que, ao perceber movimentações estranhas, volume de dinheiro superior ao que tem a receber na conta, o correntista deve acionar o banco, fazer reclamação e registrar protocolo de atendimento. Além de registrar no sistema do banco o problema, é importante fazer o registro no site Gov.br, onde o cidadão pode reclamar contra bancos e financeiras, instituições fiscalizadas pelo Banco Central.
Lucas informa que, se mesmo após as providências, o golpe não for revertido, que o cidadão deve procurar a Defensoria Pública, com as informações dos protocolos de reclamações, extratos bancários e informações sobre o problema, o mais rápido possível.
“As pessoas demoram a perceber que foram vítimas, e isso acontece porque não têm o hábito de olhar o extrato bancário e acusar irregularidades. Essa aposentada só via a conta quando ia ao banco. O golpe aconteceu em junho e ela só nos procurou em setembro, logo, as providências não tem muita eficácia. Até conseguirmos uma decisão favorável e urgente na Justiça, o pagamento será debitado automaticamente da conta dela”, explica.
Em outro caso em atendimento no Núcleo, a aposentada, que faz uso de medicação forte, recebeu a ligação de uma pessoa informando que era do banco dela e precisava checar alguns dados. Ela confirmou os dados. A partir disso foram feitos empréstimos em seu nome que hoje estão no valor de R$ 7,1 mil. A suposta fraude aconteceu em dezembro de 2023 e o pagamento da dívida deveria ocorrer em um ano.
“Nesse caso, ela viu, ligou para o banco, registrou que havia algo errado, afirmou que passou os dados pessoais para alguém que se identificou como sendo do banco, mas que estava sob efeito de medicamento. O banco fez o pedido de devolução do Pix feito da conta dela para dois CNPJs diferentes, via o Mecanismo Especial de Devolução (MED), do Banco Central. Porém, não acharam dinheiro nas contas que receberam os valores e o banco disse que não poderia fazer mais nada. Neste caso vamos entrar com uma ação pedindo a inexistência de débito. Nos dois casos vamos pedir que sejam ressarcidas também em danos morais”, explica o assessor.
Golpistas – Lucas lembra que, existem grupos organizados, em presídios que ficam 24 horas buscando vítimas. Logo, que é importante antes de fazer qualquer transação, de passar qualquer informação sobre dados pessoais, de acessar qualquer link suspeito, que a informação seja confirmada. Ligar para o parente ou pessoa que pede o dinheiro, ligar no banco, checar em sites de busca se alguém já reclamou de golpe com link similar ao que recebeu, são práticas que podem evitar danos, tanto materiais como morais, alerta.
Novas Regras – A partir do dia primeiro de novembro o Banco Central adotará novas regras para as transações em Pix. A Resolução 403, de 22 de julho de 2024, faz alterações na regulamentação do sistema de pagamento instantâneo brasileiro e um dos seus artigos, o 89, entrará em vigor em novembro.
A partir da data, só poderão ser transferidos o valor de R$ 200, por dia, por aparelhos que não estiverem cadastrados no banco. E o limite diário, mesmo para os cadastrados será de R$ 1 mil. O aumento do limite será avaliado em 24h. Contas de usuários suspeitos de fraude não poderão fazer ou receber Pix,; os bancos deverão ter e atualizar a base de dados, com informações de segurança, de seus clientes; os bancos deverão apresentar documento com solução de gerenciamento de riscos de fraude para o Banco Central.
“Com essas novas regras, o golpista terá mais trabalho para fazer transferências de altos valores. Num dos casos que atendemos aqui, ele transferiu, mesmo usando telefone não cadastrado no banco, o valor de R$ 10 mil, ou seja, ainda darão golpes, mas, terão mais trabalho e os valores serão menores, ao menos nesse público que a Defensoria atende. Os bancos também estão sendo cobrados em se responsabilizar em oferecer sistemas de segurança mais robustos”, opina o assessor.
O Núcleo de Defesa do Consumidor atende das 12h às 18h, de segunda-feira a sexta-feira, todos os dias de forma virtual pelo whats app: (65) 99963-4454. E presencial nas terças-feiras e quintas-feiras. O atendimento presencial precisa ser agendado pelo whats app. O Núcleo fica no edifício Pantanal Business, avenida historiador Rubens de Mendonça, nº 2362, Jardim Aclimação.