Rastros de antidepressivos na bacia do Tietê variam conforme renda e saneamento, aponta estudo
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A interação entre renda e falta de saneamento básico pode explicar o nível de concentração de antidepressivos na bacia do Alto Tietê, aponta estudo feito por um grupo de pesquisas que analisa os impactos dos fármacos no meio ambiente.
A iniciativa é coordenada pelo biólogo Luis Schiesari, da USP (Universidade de São Paulo), que investigou a bacia em 11 municípios da região metropolitana de São Paulo, incluindo a capital.
Participaram também outros oito pesquisadores –da UFABC (Universidade Federal do ABC), Unesp (Universidade Estadual Paulista), Unicamp (Universidade de Campinas) e Universidade da Califórnia.
O estudo compreende 53 microbacias do Alto Tietê, de regiões da mata atlântica totalmente preservadas a áreas completamente urbanizadas.
Em 2023, a Folha acompanhou Schiesari durante coleta do projeto que originou a pesquisa, em duas bacias, em Santo André, em área inteiramente preservada, e na periferia de Mauá, essa quase totalmente integrada à malha urbana.
As conclusões, agora reunidas em artigo científico em fase de “preprint” (ainda sem revisão de pares), envolvem os dados socioeconômicos e a contaminação por antidepressivos na bacia do Tietê.
Newsletter Planeta em Transe Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas * O estudo se debruçou em quatro possíveis causas para a presença dos fármacos nas águas: tamanho populacional, venda dos medicamentos, falta de saneamento e renda.
“A renda pode estar relacionada com o saneamento, mas também com questões de descarte e com a possibilidade de poder aquisitivo”, explica Schiesari.
De acordo com o estudo, o tamanho populacional se comprovou como fator influente para a quantidade de antidepressivos. Ou seja, quanto mais gente, maior a concentração de fármacos achada em um trecho.
A pesquisa concluiu ainda que 93% das bacias com algum nível de cobertura urbana continham de uma a oito moléculas diferentes de antidepressivos –entre os mais frequentes estão venlafaxina, bupropiona e sertralina. Segundo a IQVIA, empresa global de dados de saúde, citada pelo estudo, sertralina e venlafaxina integram o rol dos fármacos mais vendidos no Brasil.
O estudo verificou cinco faixas da renda per capita das microbacias, de R$ 357 a R$ 1.138. Tais números, de acordo com a pesquisa, se aproximam da renda da classe C, a classe média, quando se compara tais dados aos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010.
A pesquisa mostra que a quantidade de domicílios sem saneamento básico, por si só, não explica uma concentração maior de antidepressivos na bacia, mas, quando há esse fator aliado a uma renda mais alta, é percebida uma contaminação mais acentuada desses fármacos.
“Quando a renda é comparativamente alta, o número de casas sem saneamento tem um efeito fortíssimo na concentração de antidepressivos”, explica Schiesari.
A pesquisa, assim, indica que a detecção de antidepressivos dentro do extrato social investigado pode ser explicada pelo nível de acesso a tratamentos de saúde. “Na entrada da classe C, os custos de tratamentos poderiam limitar a aquisição [de medicamentos] e a contaminação ambiental”, diz.
Em São Mateus, na capital paulista, por exemplo, foi encontrada apenas uma molécula de desmetilvenlafaxina, metabólito do antidepressivo venlafaxina, no riacho de uma microbacia com renda per capita média de R$ 384, numa concentração de 27 ng/L.
Em contraste, no município de Ribeirão Pires (SP), numa microbacia com o dobro da renda, R$ 766, foram encontradas seis moléculas de antidepressivos, como venlafaxina, sertralina e amitriptilina, com 314 ng/L.
A pesquisa utilizou dados do IBGE (2010), os mais recentes à época de realização do estudo, que ocorreu em 2021.
Contaminação alarmante
As moléculas dos fármacos podem ter chegado aos pontos de coleta por descarte direto dos medicamentos nas águas ou em meio a fezes e urina, por ligações clandestinas nos rios.
A lei brasileira não determina um valor máximo para concentração de fármacos na água tratada e, de modo geral, sistemas de tratamento não são eficazes em removê-los.
Schiesari avalia que a contaminação da bacia do Tietê se deve principalmente aos descartes irregulares de esgoto. “Há bacias que não têm tratamento de esgoto algum”, destaca.
O estudo aponta que os níveis de contaminação na região estão entre os mais altos conhecidos no mundo, com concentrações de sertralina, por exemplo, chegando a 76,2 ng/L. A média global é de 59,3 ng/L, conforme levantamento de pesquisadores da Universidade Baylor, no Texas, que aponta dados principais para Europa e América do Norte.
“Quase tudo que a gente sabe sobre contaminação por fármacos, no mundo, vem do hemisfério norte, dos países desenvolvidos”, pondera o pesquisador. Dados para países mais pobres não são computados geralmente.
Impacto ambiental
A pesquisa cita outros estudos da área que alertam que os níveis de concentração dos fármacos podem ter efeitos no desenvolvimento de espécies vertebradas, como o peixe-zebra (peixe paulistinha), e invertebradas, como microcrustáceos.
“A exposição a curto prazo à sertralina, fluoxetina ou venlafaxina pode levar a comportamentos surpreendentes e efeitos na história de vida até três gerações adiante”, cita o estudo.
Schiesari salienta que a bacia enfrenta também outros problemas ambientais, como baixos níveis de oxigenação, mas destaca que a contaminação por antidepressivos é um fator importante a ser visto. “Esses compostos têm concentrações suficientes para afetar a biodiversidade.”
Em nota à Folha, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que responde pelo monitoramento da qualidade da água no estado, afirmou que não acompanha a detecção de antidepressivos, mas averigua outras classes de medicamentos, como esteroides e anti-inflamatórios.
Sobre ações para a melhoria da qualidade da água do rio Tietê e seus afluentes, o órgão disse que a Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) vem investindo no sistema de saneamento básico e na recuperação de fauna e flora.
Procurada pela reportagem, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), responsável pelo tratamento de água e esgoto em municípios da região metropolitana, afirmou que as estações de tratamento atendem rigorosamente aos padrões da legislação dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
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