Fogo Cruzado: A Nova Legislação que Penaliza o Produtor e Isenta o Governo dos Incêndios Florestais
Na última sexta-feira, 20 de setembro, o Governo Federal deu mais um passo para tentar se isentar da responsabilidade pelos crescentes incêndios florestais, promulgando o Decreto Presidencial n°. 12.189, que altera dispositivos do Decreto Federal n°. 6.514/2008. As mudanças mais notáveis dizem respeito à criação de novas infrações relacionadas ao uso do fogo, com severas punições:
1. Realizar queimadas em florestas nativas – multa de R$10.000,00 por hectare;
2. Realizar queimadas em florestas plantadas – multa de R$5.000,00 por hectare;
3. Não tomar as medidas preventivas exigidas pela legislação – multa de R$5.000,00 até R$10.000.000,00.
À primeira vista, essas medidas parecem um esforço legítimo para combater os incêndios mas, ao analisar mais de perto, nota-se que as duas primeiras multas não são exatamente uma inovação. Desde 1998, o uso de fogo em áreas rurais é considerado crime, e desde 1999, é classificado como infração administrativa. Portanto, essas punições já estavam previstas na legislação.
A grande novidade é a criação de uma terceira infração, que envolve a omissão em tomar medidas preventivas contra incêndios, com multas que variam entre R$5.000,00 e R$10.000.000,00. No entanto, essa medida surge como uma ação que parece visar o agronegócio de forma revanchista, além de dar a impressão de que o verdadeiro objetivo é desviar a responsabilidade do Governo.
As medidas preventivas, que variam de Estado para Estado, geralmente se limitam à criação de aceiros – faixas de terra limpas ao redor da propriedade, que servem como barreira para o fogo. Entretanto, a eficácia dessa medida é questionável. O tamanho autorizado para os aceiros é de apenas 6 metros de largura, insuficiente para impedir a propagação de incêndios de grande escala. Para exemplificar, não é incomum observar incêndios em ambos os lados de uma rodovia. E rodovias pavimentadas têm, muitas vezes, mais de 6 metros de largura e ainda assim não conseguem conter as chamas. Isso ilustra a fragilidade dessas medidas de prevenção.
Outra alteração significativa do decreto é a ampliação das condições de embargo de propriedades rurais, especialmente no caso de incêndios. Isso significa que, além de ter sua propriedade destruída pelo fogo, o produtor pode ser multado e ter sua área embargada, enfrentando sanções administrativas severas. Essa abordagem ignora o fato de que o produtor rural é, muitas vezes, uma das maiores vítimas dos incêndios, junto com o meio ambiente, e não o agressor.
O aumento das multas e a dificuldade em determinar a responsabilidade pelos incêndios certamente trarão consequências negativas para os produtores. Na prática, será mais fácil culpar o proprietário do imóvel do que punir efetivamente quem provocou o incêndio, seja por negligência, como no caso de uma bituca de cigarro jogada na beira de uma rodovia, ou por outros fatores que fogem ao controle direto do produtor.
Enquanto as penalizações ao setor do agronegócio se intensificam, os investimentos em estrutura para combater os incêndios continuam aquém do necessário. Embora o Governo Federal tenha anunciado um aumento de 118% no efetivo para combate aos incêndios – de 1.600 para 3.500 profissionais – esse número é insignificante diante das dimensões territoriais do Brasil. O país abriga a maior floresta tropical, além da maior planície alagada do mundo e conta com mais de 7 milhões de propriedades rurais cadastradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso equivale a aproximadamente 2.000 propriedades para cada profissional contratado pelo governo.
Além da carência de pessoal, os equipamentos disponíveis são insuficientes. De acordo com o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, o Brasil possui cerca de 2.600 aeronaves privadas utilizadas para pulverização agrícola, mas apenas 20 estão adaptadas para combate a incêndios. O IBAMA conta com apenas 30 aeronaves, sendo que algumas delas são usadas para transporte de pessoas e não para o combate direto ao fogo.
Os incêndios que enfrentamos hoje, assim como a falta de estrutura para combatê-los, são fruto de pelo menos duas décadas de gestão pública inadequada. Não é justo atribuir toda a responsabilidade ao Governo Federal atual, tampouco jogar o peso desse problema nas costas dos produtores rurais. A pergunta que devemos nos fazer é: essas novas regras realmente protegem o meio ambiente, ou servem apenas como uma forma de isentar os verdadeiros responsáveis, penalizando aqueles que trabalham arduamente para sustentar o país?
O debate é complexo e exige soluções estruturais, que incluam desde investimentos em prevenção e combate a incêndios até uma abordagem mais justa e equilibrada na responsabilização pelos danos causados. Afinal, proteger o meio ambiente é uma responsabilidade de todos, e não apenas daqueles que estão no campo.
Fernando Zanchet, advogado atuante no setor do Agronegócio há mais de 10 anos, especializado em Direito Ambiente e Processo Civil, membro da UBAA e Comissões de Direito do Agronegócio e Ambiental, e sócio do escritório Paschoal e Zanchet Advogados
Por Aline Brito