Putin ataca a Otan e diz que Ucrânia nunca foi um Estado verdadeiro
IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – Em um longo discurso em rede nacional de rádio e TV para anunciar o reconhecimento das autoproclamadas repúblicas separatistas russas do leste da Ucrânia, o presidente Vladimir Putin não poupou a Otan e o vizinho de críticas.
Mais do que isso: condensou argumentos anteriores para dizer que a Ucrânia não é um propriamente um Estado, e sim uma parte da Rússia, acendendo ainda mais os alertas do temor de uma invasão.
A fala foi recebida com fogos de artifício e a presença de alguns moradores de Donetsk, a capital de uma das regiões, que apareceram para câmeras de TVs russas após mais de 50 minutos de fala do líder russo.
Em Rostov-do-Don, principal cidade próxima da fronteira das duas regiões, não houve comoção. Um casamento seguiu seu curso no enorme restaurante de cozinha cazaque Kazatchki Kureni, sem nenhuma TV acompanhando o discurso.
Historicamente, foi um dos mais duros discursos desde que Putin assumiu a cadeira de premiê em 9 de agosto de 1999, para não mais sair do Kremlin em quatro encarnações presidenciais e um interregno como mandachuva no governo de Dmitri Medvedev (2008-12).
Todo o desprezo pelo Estado ucraniano que Putin havia desenhado em um artigo no ano passado foi colocado para fora. “A Ucrânia virou uma colônia de marionetes. Os ucranianos desperdiçaram não só tudo o que nós demos a eles durante o tempo da União Soviética, mas tudo o que eles herdaram do Império Russo. Mesmo o trabalho de Catarina a Grande.”
Segundo ele, há “integração” entre a Ucrânia e a Otan, mesmo sem o acesso formal de Kiev à aliança militar ocidental. De forma sombria, disse que a Ucrânia “está preparando ação militar contra nosso país”, aproveitando o erro do presidente Volodimir Zelenski no fim de semana, quando ele ventilou a ideia de buscar ter armas nucleares para deter Moscou.
A Otan, disse, é o verdadeiro agressor. A organização está “armando e comandando” Kiev. Como há cerca de 800 mil cidadãos russos no Donbass (o leste ucraniano, metade do qual está na mão de separatistas desde 2014), Putin disse que era necessário reconhecer a independência.
“Se a Ucrânia fosse se unir à Otan, serviria como uma ameaça direta à segurança da Rússia”, disse. Com efeito, o reconhecimento matou os Acordos de Minsk, que precariamente mantinham cessar-fogo na região.
Ele não falou, mas o corolário disso é o envio subsequente de ajuda militar e tropas para a região, o que colocará uma guerra na ordem do dia. Já há ao menos 150 mil soldados russos em três frentes em torno da Ucrânia, nas contas ocidentais.
Putin fez uma revisão histórica, repetindo o conceito que ele defende desde os anos 2000 de que a Rússia foi “roubada” com a implosão soviética de 1991.
Na visão do presidente, milhões de cidadãos russos ficaram para trás de suas fronteiras, aquilo que ele chamou de “maior desastre geopolítico do século 20”, mas agora com o ultimato pedindo o fim da expansão da Otan a leste fica claro que ele falava também da perda de profundidade estratégica -países e áreas aliadas ou neutras o separando do inimigo presumido.
Voltando ao texto de 2021, Putin disse que “a Ucrânia nunca teve tradições próprias de Estado”. Em resumo, ainda que o presidente não tenha dito isso, ele sugere que a origem como um país só com a Rússia e a Belarus deveria ser a base de uma reunificação -que já está avançada na área militar com o a ditadura aliada.”A Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia, mais precisamente pela Rússia bolchevique, comunista. [o pai fundador soviético Vladimir] Lênin é o autor e o arquiteto. E agora seus descendentes gratos demoliram os monumentos a Lênin na Ucrânia, é o que chamam de descomunização. Você quer descomunização? Bom, isso serve para a gente. Mas é desnecessário, como dizem, parar no meio do caminho. Nós estamos prontos para mostrar o que real descomunização significa para a Ucrânia”, disse.
Ameaça cifrada, a frase pode sugerir até uma ação militar direta contra Kiev, o que Putin vem negando sistematicamente para um Ocidente incrédulo. Todo o roteiro do dia se encaminhou para dar credibilidade à hipótese: um pretexto de uma escaramuça mal explicada supostamente entre ucranianos e russos, o reconhecimento.
O grau de agressividade teve modulações. O decreto de reconhecimento agora passará por uma ratificação protocolar pelo Parlamento, que dará algum tempo para as partes respirarem antes dos próximos passos.
Por todas as ameaças veladas, não houve uma declaração aberta de guerra, o que permite em tese manter a janela diplomática aberta até o secretário de Estado americano, Antony Blinken, encontrar o chanceler Serguei Lavrov na quinta (24). Isso se a reunião for mesmo ocorrer.
O fator militar havia sido colocado na reunião anterior ao discurso, do Conselho de Segurança da Rússia. Nela, o ministro Serguei Choigu (Defesa) disse que há 59 mil soldados ucranianos prontos para agir contra “mulheres e idosos” do Donbass. Kiev nega tal mobilização.
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