Regulamentação de criptomoedas não deve evitar lavagem de dinheiro, dizem especialistas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O projeto de lei sobre transações com criptoativos, aprovado no Senado nesta terça (22), deve trazer mais segurança para o investidor, mas dificilmente atingirá o objetivo de evitar que muitas pessoas continuem operando em corretoras fora do país ou usem o sistema para crimes de lavagem de dinheiro.
De acordo com o projeto, que agora será analisado pela Câmara dos Deputados, as corretoras de ativos virtuais, as chamadas exchanges, só poderão funcionar no país com autorização de órgão do governo federal. A prestação desses serviços sem aval será considerada crime contra o sistema financeiro.
Caberá ao Executivo definir qual órgão ou órgãos vão disciplinar o funcionamento e supervisionar essas empresas. O governo também vai definir quais ativos serão regulados.
A proposta traz ainda as corretoras para o rol de entidades que precisam reportar operações suspeitas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e agir na prevenção à lavagem de dinheiro.
Segundo especialistas, diversas grandes corretoras de ativos virtuais têm ignorado a legislação em outros países, mesmo na China e nos EUA, e não será diferente com o Brasil.
Além disso, o universo de criptoativos foi desenvolvido de maneira descentralizada e desregulamentada. Por isso, é impossível monitorar todas as transações realizadas.
Uma pessoa pode, por exemplo, comprar moedas virtuais em uma corretora que será autorizada a operar no país, mas colocá-las em um pen drive ou computador e não registrar as transações seguintes. Também pode abrir uma conta no exterior, enviar o dinheiro para fora legalmente e operar em corretoras em outros países.
O texto não criminaliza o investidor que opere com corretoras não autorizadas. Por isso, muitos especialistas têm a avaliação de que não será possível responsabilizar uma pessoa física por usar uma exchange com sede em outro país, mesmo que ela declare o patrimônio e as operações ao Fisco, recolhendo imposto no caso de ganho de capital.
O especialista em investimento Bruno Hora, cofundador da InvestSmart, afirma que proibir transações com exchanges não autorizadas é semelhante a tentar evitar que brasileiros façam compras em sites estrangeiros.
Ele diz que todo o universo de criptoativos é baseado em privacidade, não regulamentação, descentralização e criptografia, o que torna o monitoramento dessas atividades mais difícil.
A regulação é bem-vinda, em sua avaliação, mas será importante que o governo regulamente a lei de modo a não onerar as corretoras de criptoativos a ponto de tirar sua competitividade.
“O processo de comprar uma exchange é muito parecido com comprar algo em um site americano ou chinês. Não é tão simples de impedir. Mesmo para quem não tem o objetivo de esconder patrimônio, as exchanges lá fora vão ser uma opção.
A regulamentação tem de existir, mas o excesso pode deixar as exchanges brasileiras menos atrativas, criar uma desvantagem competitiva”, afirma.
Sabrina Lawder, líder de International Tax da Grant Thornton Brasil, afirma que é importante o Brasil ter decidido regular essa questão e ter colocado na lei que esse mercado deverá observar questões como livre concorrência, segurança da informação e necessidade de monitorar crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
“É um ponto positivo porque dá mais segurança para todos que operam com criptoativos”, diz.
Ela também destaca que a legislação não trouxe a responsabilização do investidor que operar com empresas não autorizadas. “Entendo que o contribuinte não vai poder ser responsabilizado por ausência de licença da exchange.”
A advogada Mariana Tumbiolo, sócia do escritório Madruga BTW e especialista na área de crimes empresariais, afirma que a regulação é positiva do ponto de vista dos crimes de lavagem, mas não é suficiente para evitar esses crimes.
Ela afirma que a regulação e a atuação conjunta dos setores público e privado dificultaram o uso do sistema financeiro para lavagem de dinheiro. Por isso, organizações criminosas têm buscado usar ativos virtuais, que são menos regulados, com esse objetivo.
“O grande meio que tem sido usado para lavagem de dinheiro são os criptoativos. Grandes organizações criminosas têm usado esses ativos para lavar e mandar dinheiro para fora do Brasil”, diz. “Esse portão está descoberto. O ilícito está escoando por esse lado.”
Para ela, a lei não alcançará pessoas que queiram usar esses ativos para ocultação de patrimônio. Nesse sentido, um passo importante seria tentar barrar que o dinheiro chegue às corretoras no exterior, por meio do monitoramento feito por empresas de meios de pagamento.
“A gente não tem capacidade de controlar se a pessoa está usando o dinheiro dela em uma exchange de fora ou do Brasil. O que fica de fora dessa regulação são os atores que querem usar o sistema de cripto para ocultação de patrimônio. Esse elo eu não consigo pegar.”
Pablo Cerdeira, do escritório Galdino & Coelho Advogados, também vê pouca eficácia na tentativa de proibir negociações com corretoras no exterior. Ele afirma que problemas de pirâmide financeira são crimes independentemente do ativo utilizado. E que alguns casos ocorrem mais por falhas das instituições financeiras do que pela natureza da criptomoeda.
“Normalmente, quando a lei tenta regular algo que ela não tem capacidade de regular, ela se enfraquece. A lei não vai conseguir alcançar muitos casos. Vai ser uma obrigação que não vai ser eficaz”, diz.
O advogado Fernando Zilveti diz que a possibilidade de criminalização das operações realizadas em exchanges autorizadas podem ter o efeito contrário, de afastar o investidor. Para ele, as pessoas que estão nesse mercado não estão em busca de segurança, mas de liberdade e baixo custo para operar.
“A ideia de transformar criptoativo em um mercado regulado não é ruim. Suíça e Inglaterra criaram um ambiente seguro de negócios. Mas, quando você começa a falar em crime financeiro, multa, em vez de trazer as pessoas, você está afugentando.”
Sabrina Lawder, da Grant Thornton, também destaca que o texto prevê isenção de tributos para aquisição, por pessoas jurídicas, de máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software) utilizadas nas atividades de processamento, mineração e preservação de ativos virtuais até dezembro de 2029.
Mas somente para empreendimentos que utilizarem em suas atividades 100% de sua necessidade de energia elétrica de fontes renováveis e que neutralizem 100% das emissões de gases de efeito estufa oriundas dessas atividades.
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VEJA DETALHES DO PROJETO QUE REGULA AS CRIPTOMOEDAS NO BRASIL
O que são criptomoedas?
São ativos digitais que usam sistemas de criptografia para a realização de transações. Diferentemente do dinheiro emitido por governos, como o real ou o dólar, as criptomoedas são lançadas por agentes privados e negociadas exclusivamente na internet. O detentor de uma moeda virtual só pode resgatá-la usando um código fornecido por quem vendeu.
Quem são as prestadoras de serviços de ativos virtuais?
A empresa que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços:
– resgate de criptomoedas (troca por moeda soberana);
– troca entre uma ou mais criptomoedas;
– transferência de ativos virtuais;
– custódia ou administração desses ativos ou de instrumentos de controle de ativos virtuais;
– participação em serviços financeiros relacionados à oferta por um emissor ou à venda de ativos virtuais.
O texto propõe que as empresas sejam consideradas instituições financeiras e submetidas a todas as normas da lei de crimes financeiros (Lei 7.492, de 1986); e também ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990).
Quais são as diretrizes a serem cumpridas pelas prestadoras de serviços?
– promover a livre concorrência e livre iniciativa;
– controlar e manter a separação dos recursos aportados pelos clientes;
– definir boas práticas de governança e gestão de riscos;
– garantir a segurança da informação e proteção de dados pessoais;
– proteger e defender consumidores e usuários e a poupança popular;
– garantir a solidez e eficiência das operações.
Quais são as punições previstas em caso de fraude?
O projeto insere no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) um crime específico para irregularidades envolvendo criptomoedas.
A fraude em prestação de serviços de ativos virtuais é definida como “organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
A pena para esses casos é reclusão de quatro a oito anos, além de multa.
Como a proposta coíbe lavagem de dinheiro?
O Poder Executivo deve criar normas alinhadas aos padrões internacionais para prevenir a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, assim como combater a atuação de organizações criminosas, o financiamento do terrorismo e da produção e comércio de armas de destruição em massa.
O projeto submete as prestadoras de serviço de ativos virtuais às regras da lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613, de 1998).
Elas ficam obrigadas a registrar todas as transações que ultrapassem os limites fixados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Se a operação for superior a esse limite, as corretoras terão de comunicar ao Coaf, no prazo de até 24 horas, conforme determina a legislação.
O que muda para as corretoras?
Cabe aos órgãos indicados pelo Poder Executivo autorizar o funcionamento das prestadoras de serviços de criptomoedas no Brasil e estabelecer normas para o cancelamento da licença em caso de desobediência à legislação.
A prestação de serviços de ativos virtuais sem prévia autorização será enquadrada na lei que tipifica o crime contra o sistema financeiro (Lei 7.492, de 1986).
Os autores que operarem sem autorização ou apresentarem documentos falsos podem receber pena de prisão de um a quatro anos, além de multa.
Cabe ao Banco Central conceder a autorização para as instituições que “poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais, ou cumulá-lo com outras atividades”. Essa regulamentação deve ser executada por órgão indicado em ato do governo federal.
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